A administração municipal do Cuango, província angolana da Lunda Norte, lançou um concurso para iluminação pública, construção de escolas e centro de saúde em Cafunfo, palco de incidentes com feridos e mortos em Janeiro. Pelos vistos, a melhor forma de “corrigir o que está mal”, é contratar “estrangeiros” (como disse o Governo), fazer uma manifestação e aceitar que alguns sejam… assassinados.
Em comunicado divulgado pelo órgão oficial do regime, Jornal de Angola, a administração do Cuango refere que o concurso público, com prazo de execução de um ano, decorre nos termos da Lei dos Contratos Públicos.
O concurso inscreve 12 projectos, nomeadamente a reabilitação e expansão do sistema de abastecimento de água do Cuango, iluminação pública na sede municipal, Cafunfo e Luremo, construção de escola com sete salas e construção de duas escolas de quatro salas de aula no bairro Mwene Cafunfo e Nguriacama.
O concurso também é extensivo para a construção de um centro de saúde no bairro Elevação (Cafunfo), construção de pontes e colocação de manilhas sobre os rios Cabunda, Cole e Txicunhe e construção de um armazém para escoamento de produtos agrícolas.
A terraplanagem de 45 quilómetros de via terciária, troço do Bala-Bala ao bairro Canguanda (Cafunfo), a aquisição de mobiliários para a administração e direcções municipais, aquisição de máquinas para o saneamento básico no âmbito do PIIM (Plano Integrado de Intervenção nos Municípios), apetrechamento da escola 4 de Abril e o fornecimento de merenda escolar constam também do concurso público.
Segundo o anúncio, assinado pelo administrador municipal do Cuango, Guilherme Cango, para critério de adjudicação será escolhida a “proposta economicamente vantajosa tendo em conta os factores enunciados nas peças do procedimento”. Provavelmente (parafraseando o Presidente da Assembleia Nacional, Fernando Dias dos Santos “Nandó”) por “gralha técnica”, não é referida a construção de um monumento ao herói nacional do MPLA, o assassino responsável pelos massacres de 27 de Maio de 1977, Agostinho Neto.
A vila mineira de Cafunfo, município do Cuango, leste de Angola, centralizou as atenções das autoridades, membros da sociedade civil e organizações internacionais ligadas (ou preocupadas) com os direitos humanos na sequência de incidentes de 30 de Janeiro passado, que as autoridades consideraram como “acto de rebelião” e outros descrevem como “manifestação pacífica”, sendo que o resultado prático foi o assassinato de dezenas de angolanos.
Cidadãos locais e demais actores da sociedade lamentam a “débil” condição socioeconómica, com reflexos negativos nas famílias, daquela região rica em recursos mineiras, facto que tem motivado “reivindicações por melhores condições de vida”.
Segundo a polícia do MPLA, cerca de 300 pessoas ligadas ao Movimento do Protectorado Português Lunda Tchokwe (MPPLT), que há anos defende autonomia da região, tentaram invadir, na madrugada de 30 de Janeiro, uma esquadra policial de Cafunfo, e em defesa, as forças de ordem e segurança atingiram mortalmente seis pessoas.
A versão policial é contrariada pelos dirigentes do MPPLT, partidos políticos na oposição e sociedade civil local (incluindo a Igreja Católica) bem como organizações internacionais (União Europeia e Amnistia Internacional, por exemplo) que falam em mais de uma dezena de mortos numa tentativa de manifestação.
Na sequência dos incidentes, o líder do MPPLT, José Mateus “Zeca Mutchima” foi detido em Luanda, desde 8 de Fevereiro, indiciado pelos crimes de “associação de malfeitores e rebelião armada”.
A razão total e inequívoca do proprietário
Recorde-se que a legislação angolana preserva a propriedade privada, razão pela qual o proprietário da região de Cafunfo (bem como de todo o país), o MPLA, tem legitimidade, autoridade e meios bélicos para a impedir a entrada de bandidos, terroristas e outros criminosos em qualquer parte do reino.
Estranha-se que os responsáveis da polícia do MPLA tenham conseguido contar os manifestantes, apontando os tais 300. Isto porque, nas aulas de “educação patriótica”, só aprenderam a contar até dez (10). Para além deste número têm de usar os dedos dos pés, o que significa que foram muitos os polícias que estavam… descalços.
Registe-se que, para bem do anedotário nacional e internacional (na vertente dos criminosos), o Comandante-geral da Polícia (do MPLA), Paulo de Almeida, defendeu o uso de “meios desproporcionais” para responder efectivamente contra ameaças ao Estado. E assim sendo, disse Paulo de Almeida, a resposta da polícia no caso de Cafunfo, bem como nos massacres de 27 de Maio de 1977, foi em legítima defesa.
O comandante-geral da Polícia Nacional afirma (como aliás fez o seu primeiro presidente, Agostinho Neto, ao manda massacrar milhares de angolanos em 27 de Maio de 1977), que na defesa da soberania de um Estado não pode haver proporcionalidade, como defendem as… pessoas.
Paulo de Almeida avisou que “aqueles que tentarem invadir as esquadras ou qualquer outra instituição para tomada de poder, vão ter resposta pronta, eficiente e desproporcional da Polícia Nacional” do MPLA. Por alguma razão a Polícia é tão forte com os fracos mas bate com as patas no mataco a fugir velozmente quando o adversário é forte.
“Você está a atacar o Estado angolano (leia-se MPLA) com faca, ele responde-te com pistola, se você estiver a atacar com pistola ele responde com AKM, se você estiver a atacar com AKM, ele responde com bazuca, se você estiver a atacar com bazuca, ele responde com míssil, seja terra-terra, terra-mar ou ainda que for um intercontinental, vai dar a volta depois vai atacar”, referiu com o brilhantismo de um gorila anão (sem ofensa para este primata) o Comandante Paulo de Almeida.
E, enquanto o míssil “intercontinental vai dar a volta depois vai atacar”, o Presidente João Lourenço (lídimo discípulo de Agostinho Neto e Eduardo dos Santos) fez do silêncio conivente com a barbárie e com as explicações de quem, por ter uma espécie de cérebro no intestino, sempre que fala expele porcaria, a sua principal arma. É, claro, um direito constitucional que tem.
Compreende-se que o Presidente tenha dificuldades em encontrar alguém com o mesmo nível de Paulo de Almeida para pôr a comandar a sua polícia. Estamos, contudo, em crer que qualquer descendente do Nkan Daniel conseguiria falar do míssil “intercontinental vai dar a volta depois vai atacar”.
“O que aconteceu foram elementos que foram atacar a nossa unidade, às quatro horas da manhã. Não foram fazer uma participação de uma ocorrência, não foram a um banco de urgência, que são as unidades que têm piquete para atendimento ao público. Foram com catanas, armas, meios contundentes, feiticeiros, para atacar a unidade“, disse Paulo de Almeida. Isto, é claro, sem referir os ataques dos catuituís que estavam nas mangueiras próximas e que foram avisados que Paulo de Almeida iria disparar mísseis intercontinentais, os tais que dão a volta (ao bilhar grande) e depois voltam a atacar…
“Eles não foram lá com lenços brancos, ninguém aqui perguntou como é que estão os nossos feridos, o oficial da polícia que apanhou machadada e catanada (…) o oficial das FAA que lhe deram catanadas, queimaram-lhe, ninguém pergunta, não são pessoas”?, questionou.
Por isso, se justificou o fuzilamento já que, segundo Paulo de Almeida, a acção da polícia foi de legítima defesa e “foi assim que houve essas mortes”. Registe-se que, apesar do seu brilhantismo oratório (tipo míssil intercontinental), o Comandante não esclareceu que antes de serem assassinados os angolanos estavam… vivos.
Recorde-se que o então Comissário Chefe da Polícia Nacional, Paulo de Almeida, dizia em Dezembro de 2015 que as últimas manifestações convocadas pelos partidos da Oposição tinham como objectivos a tomada do poder, um golpe de Estado, portanto, motivo pelo qual as forças de segurança as impediram. Nessa altura foi “capturado”, tal como agora na Lunda, um vasto arsenal bélico, com destaque para umas centenas de… cartazes contra o regime.
A Polícia Nacional afirma, reafirma, continua a afirmar ter provas mais do que cabais que provam que esses meliantes (hoje já são terroristas) pretendiam mesmo derrubar o regime. Ontem eram uns, hoje são outros, amanhã seremos todos nós.
Entrevistado pela Rádio Ecclésia sobre o balanço das actividades desenvolvidas pela Policia Nacional, eis que o então seu Segundo Comandante Geral sacou da pistola, perdão, da cartola, a mais bombástica revelação:
“Temos provas de que as orientações eram de um grupo chegar ao Palácio do Governo Provincial, outro grupo saía do Baleizão para chegar ao Palácio Presidencial. As provas recolhidas sustentam a tese de que o objectivo da última manifestação era o assalto ao poder”, garantiu na altura (na altura ainda não estavam disponíveis os mísseis intercontinentais) Paulo de Almeida.
Paulo de Almeida disse que “a lei permite que os cidadãos ou associações cívicas se manifestem. Os polícias não têm nada que impedir. Mas também a lei diz que essas manifestações têm regras, não podem ser próximas de locais de soberania, não podem ser manifestações que perturbem a ordem e a tranquilidade pública, violentas, que criam instabilidade e ameaçam o pacato cidadão que não tem nada a ver com a confusão”. E acrescentou, para que não restem dúvidas quanto à tentativa de tomar o poder pela força, que “as manifestações não podem ser agressivas, não podem ser desordeiras e nós só actuamos quando elas desrespeitam essas situações”.
Então ficamos todos a saber que a presença de mais de dois cidadãos junto aos locais de soberania é um indício de golpe, que se não forem vestidos com as cores do MPLA e dando vivas ao Presidente os manifestantes serão considerados agressivos, que se andarem a colar cartazes entram na categoria, potencialmente golpista, dos desordeiros.
Paulo de Almeida sublinhou também que a Polícia Nacional sabe quais são as intenções dos manifestantes. E sabe com certeza. Se até consegue saber o que os cidadãos pensam… E então no que pensavam esses golpistas? O Comandante responde: “O público pode não saber isso, mas nós sabemos, então agimos em conformidade. Eu sei que isso não vai agradar às pessoas mas a verdade é esta. Nós estamos aqui para garantir a segurança de todos”.
De todos é como quem diz. De todos os bons, os do MPLA, queria dizer Paulo Almeida. Os outros, chamem-se Manuel de Carvalho Ganga, Cassule ou Kamulingue, não contam como cidadãos e, sempre que possível, devem entrar a cadeia alimentar dos jacarés.